POR MARTA BARBOSA
O tempo passa depressa quando se está em Londres. Aliás, a
capital inglesa parece ficar sempre alguns passos à frente do resto do mundo,
lançando moda, música, costumes. Isso não significa que as tradições não
estejam enraizadas, a exemplo de qualquer outro canto da Inglaterra. E é por
isso que Londres é Londres. O chá das 5, por exemplo, é uma instituição inglesa
por excelência. Um costume que remonta ao século XVII e até os dias de hoje
conquista todo tipo de gente. O que pode haver em comum entre o roqueiro de
Nothing Hill, o executivo atarefado de Westminster e a senhora interessada em
arte de Mayfair? Todos eles, se tiverem uma folguinha no final do dia, se
renderão a uma boa xícara de chá preto, com algumas gotas de leite gelado e uma
infinidade de guloseimas mais que deliciosas, que compõem o tradicional chá
inglês.
Muitas histórias cercam esse costume. A começar pela própria
origem. A tese mais bem aceita é que a criadora foi uma portuguesa. Dizem que
Catarina de Bragança, recém-casada com Carlos II, pegou um resfriado logo em
seus primeiros dias em terra inglesa (absolutamente possível considerando o
tempo instável no país). Pediu que lhe servissem uma bebida quente quando
ninguém na corte tinha esse costume. As damas de companhia lhe trouxeram ervas
chinesas, ensinaram como fazer a imersão em água quente e, para agradar a
princesa portuguesa, serviram a bebida acompanhada de doces. Foi Catarina
também, dizem, quem ordenou a troca dos pratos e canecas de metal, usados na
época, por porcelana chinesa. E instituiu alguns sabores que não podiam ficar
de fora da mesa, como as geleias (a de laranja era sua preferida). Nascia assim
uma tradição.
A louça caprichada, as geleias e as ervas trazidas do
Oriente ainda estão lá, intactas. De resto, algumas mudanças tornaram a
tradição inabalável na sucessão dos anos. Por exemplo: a hora de servi-lo.
“Aqui servimos entre 3 e 6 da tarde durante a semana e a partir da 1 da tarde
nos fins de semana”, diz Nina Colls, diretora de comunicação do Brown’s Hotel,
cujo serviço foi eleito o melhor de Londres pelo The Tea Guild’s Top London
Afternoon Tea 2009, o Guide Michelin do mundo do chá. “Recebemos todo tipo de
cliente, desde turistas (os japoneses adoram!) a casais de namorados, grupos de
senhoras, jovens amigos”, afirma Fabien Ecuuillon, chef-pâtissier do Brown’s.
Ruibarbo? What is this?
Para ganhar tão variado paladar, Fabien muda as receitas dos
doces periodicamente, seguindo o que os mercados podem oferecer de mais fresco.
Quando a equipe de Prazeres da Mesa esteve no Brown’s, era época de ruibarbo na
Inglaterra (erva nativa da China). “Aproveitei a oferta e criei uma compota de
ruibarbo, que é servida com panacotta de mel”, diz o chef, que revelou essa e
outras receitas do cardápio com exclusividade. Outra inovação do chá das 5,
essa não exclusividade do Brown’s, é acrescentar algumas taças de champanhe
(rosé, normalmente) à abertura do serviço. Por 48 libras por pessoa
(aproximadamente 150 reais), o luxo está garantido.
O título de melhor chá de Londres não veio por acaso.
Inaugurado em 1837, o Brown’s foi o primeiro hotel construído para receber os
lordes da Inglaterra. É um cinco-estrelas charmoso, mas sem excessos. O salão
de chá, com uma biblioteca anexa, tem decoração sóbria, ao mesmo tempo clássica
e moderna, e um longo repertório. Ali Agatha Christie escreveu O Caso do Hotel
Bertram e Alexander Graham Bell fez sua primeira ligação telefônica. A
atmosfera tem o peso da história. E por mais modernidade que exista na Londres
do lado de fora, naqueles minutos diante do carrinho de chá, a gente se sente
um pouco parte dos livros.
http://prazeresdamesa.uol.com.br/uma-xicara-muita-historia/
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